Editorial

A ideia da criação de uma revista do nosso núcleo da ABRAMD Clínica – SP surgiu logo após o VII Congresso da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas realizado em 2019, como parte de nosso projeto neste biênio 20/21 de transmitir os saberes que a experiência e pesquisa na clínica nos proporciona para o tema das drogas. 

Mais do que a multidisciplinaridade, nosso núcleo traz a interdisciplinaridade como pilar de sua prática. Assim como bebemos dos saberes de outras áreas para construir nossa clínica, com essa publicação temos o interesse de ampliar a comunicação de nosso trabalho para criar maior interlocução, diálogo e troca com outros grupos da ABRAMD e, também, com outros profissionais que atuam no cuidado de pessoas que usam drogas. 

Desta forma, neste número apresentamos artigos exclusivamente de membros da ABRAMD Clínica ou com coautores convidados. Nossa contribuição vem a partir de experiências de cuidado e tratamento de pessoas com uso problemático de drogas, realizados a partir de olhares da psicanálise, redução de danos e fenomenologia. Nossas reflexões vão além da prática clínica, mas buscando sempre criar articulações com os saberes desta experiência e de nossas linhas teóricas. 

Desta combinação de elementos, da interdisciplinaridade, de uma experiência de cuidado complexa e heterogênea, que nos veio o nome da revista: QUIMERA. Com seu elemento mítico, sua característica de uma entidade cujas partes de diferentes animais se juntam para criar um corpo e seu teor de enigma, encontramos uma ilustração singular para nossa transmissão. As drogas, seus usos, seus espaços, seus imaginários, seus mistérios, as singularidades.

Neste sentido temos dois textos que de alguma forma pretendem situar onde estamos em nosso campo, apresentando as bases construídas nas últimas décadas. Em A ABRAMD Clínica SP, as atuais coordenadoras, Karina Mesquita e Maria de Lurdes Zemel, apresentam nosso núcleo, sua formação e suas atividades. Já Dependência de drogas: abordagem psicodinâmica do indivíduo, da família e do grupo é um texto que apresenta as especificidades já estabelecidas e introduz o campo do tratamento das adicções a partir da visão das autoras Maria de Lurdes Zemel, Diva Reale e Valeria Lacks, nas premissas da singularidade, autonomia e centralidade do sujeito. 

Resistência foi o tema escolhido para este número inaugural, não por acaso. Com sua polissemia explorada em alguns artigos desta publicação, tratamos deste momento histórico que nos convoca a nos posicionar, em que o tensionamento escancara os conflitos e deixa cada vez mais impossível não os enxergar. 

Em Resistência: Redução de Danos e Autorregulação, Celi Cavallari constrói uma ampla e profunda reflexão, articulando perspectivas históricas, de redução de danos e da psicanálise a partir de uma indagação simples e fundamental: “a que se resiste contra a Redução de Danos? Como é viável resistir à diminuição de consequências admissíveis aos possíveis riscos do uso problemático de drogas?”. 

Já Fabio Carezzato e Laura Sahm Shdaior escrevem em Cracolândia em debate: a indissociabilidade entre clínica e política no cuidado de usuários de drogas suas reflexões sobre a atuação no cuidado de pessoas da região da Luz em São Paulo que procuram os serviços de tratamento para dependência química, em um debate sobre como estigma, políticas públicas, condições sociais e vulnerabilidade impactam a clínica, discutindo, a partir de conceitos de Hanna Arendt e da psicanálise, a política na prática clínica. 

Katia Varela Gomes e Rubens Espejo da Silva ilustram a Resistência com um ensaio sobre a trajetória de Lou Reed. Discutem, articulando arte, artista e clínica, o percurso do vocalista do Velvet Underground que sofreu com uma psiquiatria normatizadora em sua adolescência.

Também compõe como grande influência do pensamento clínico de nosso grupo o modelo de cura francês desenvolvido por Claude Olievenstein. Nesta edição, Diva Reale e Marcelo Soares da Cruz tecem comentários sobre o texto “Cuidado com os toxicômanos: Uma ética para uma psicoterapia perversa” do psiquiatra francês, trazendo a atualidade de seu pensamento e a necessidade de resgatar suas ideias neste momento de nossa sociedade em que estamos perdendo progressos importantes no cuidado dessas pessoas.

Para coroar esta edição inaugural, em nossa coluna Mandrágora, espaço que irá propor diferentes aproximações com entrevistas, cenas clínicas, entre outras, entrevistamos os Professores Dartiu Xavier da Silveira e Antonio Nery Filho, fundadores da ABRAMD e grandes referências no nosso campo. Discutimos a formação dessa Associação como oposição a uma ideia hegemônica de tratamento das adicções centrada na droga e o papel de resistência que ela desempenhou naquele momento e que desempenha agora. Em uma leitura muito alinhada com o surgimento da Quimera, Nery aponta que este é um momento de reafirmar nossas premissas éticas, voltar a propagar, disseminar e desenvolver nossas ideias. 

Por fim, trazemos a seção Drogas Be-a-Bá, em que pretendemos a cada número apresentar um destrinchamento de uma droga diferente a partir de literatura científica e da experiência clínica, nessa edição o GHB, droga cada vez mais prevalente nos ambientes de festa mas pouco discutida nos âmbitos clínicos.

Boa leitura a todos!

Corpo Editorial – Revista Quimera

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