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Internação e Redução de Danos

Atualizado: há 2 dias

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Diante do histórico manicomial da saúde mental no mundo, mas, sobretudo no Brasil, é compreensível que as instituições psiquiátricas estejam no centro do debate do cuidado a pessoas com problemas com seu uso drogas. Porém, a discussão sobre o papel desse recurso parece estar cristalizado. Isso se ilustra tanto pela percepção no senso comum e no discurso de entidades ligadas a estes serviços de que os hospitais psiquiátricos e, mais recentemente, as comunidades terapêuticas são protagonistas em um tratamento para um problema relacionado a psicoativos, quanto pela reticência de setores engajados com a luta antimanicomial em considerar essa intervenção como possibilidade.  


Há duas ideias sobre internação que aparecem com frequência sobre o cuidado de pessoas com uso problemático de drogas. Diante do discurso hegemônico proibicionista que demoniza as drogas, é compreensível que o afastamento da pessoa e da substância seja considerada a única opção de tratamento, ou pelo menos o primeiro passo fundamental. Também é popular a ideia de que intervenções mais humanas, regidas pela ética da redução de danos, seja colocada como antagonista da abstinência e, portanto, da própria hospitalização.


Ambas as ideias são equivocadas e merecem um aprofundamento maior. A contraposição à primeira é fundamental para construir um pensamento clínico (e social) coerente com a produção científica médica e não médica, que desconstrói mitos e terrorismos sobre a nossa relação com os psicoativos, seus usos e riscos. A segunda por uma pergunta clínica primordial para esse texto e que nos acompanhar pelas próximas páginas: se a internação não é uma solução em si mesma para um transtorno relacionado ao uso de substâncias, ela tem um lugar nos tratamentos regidos pela lógica da redução de danos? E se sim, qual?


Desmistificando a internação

Como dito anteriormente, pode-se entender como é bem difundida a ideia do tratamento em regime de reclusão, com afastamento do cotidiano e do ambiente aos quais a pessoa está circunscrita, como principal ou única estratégia terapêutica para que aqueles que sofrem com sua relação com as drogas possam alcançar a abstinência.


A propaganda proibicionista que atravessou o século XX foi extremamente eficiente na sua estratégia de responsabilizar o consumo de substâncias por todo sofrimento causado por mazelas sociais e econômicas. A ideia de um mundo livre de drogas, que bem parece uma grande distopia, foi vendida como um paraíso, onde miséria, violência e pesares estariam abolidos.


Sabemos que a maior parte das pessoas que faz uso de drogas não desenvolve um uso problemático ou precisa de qualquer tratamento relacionado ao seu consumo (Anthony et al., 1994). O que faz uma minoria dos usuários desenvolver uma adicção é um dos grandes pontos de investigação da clínica das toxicomanias. Certamente isso vai além de questões meramente individuais e orgânicas.


Temos dois estudos clássicos que se debruçam sobre os fatores sociais associados ao tema, ambos desenvolvidos durante a década de 1970. Zinberg (1972, 1984) investigou os efeitos da Guerra do Vietnã no consumo de heroína entre os americanos que participaram das forças armadas no conflito. Percebeu que o padrão de consumo e perfil das pessoas que abusavam deste opioide era muito diferente no país asiático do que em solo americano. Discutiu o contexto desses soldados em solo vietnamita, onde a droga era barata, com maior grau de pureza e de fácil acesso, e os estresses de estar na linha de combate era um fator significante. Além disso observou que uma porção significativa deles, ao retornar aos Estados Unidos, cessou o uso sem grandes dificuldades.


Já Alexander et al. (1978, 1980) estudou os efeitos das condições de ambiente no consumo de morfina em roedores. Observações anteriores apontavam que após experimentar a droga, os espécimes a utilizavam de forma compulsiva, abandonando necessidades básicas como sono e alimentação. O cientista, porém, percebeu que todos esses experimentos eram feitos com ratos isolados em suas gaiolas de metal. Inicialmente ofereceu a substância para todos os animais, mas logo os dividiu em dois grupos. O primeiro ficou neste ambiente semelhante aos estudos anteriores, enquanto o segundo grupo foi alocado em um ambiente maior, junto com outros da mesma espécie, com opções variadas de comida e brinquedos. O resultado foi que no grupo que ficou isolado o consumo foi maior e progressivo ao longo dos 4 dias de observação, enquanto no grupo da chamada Ratolândia (Rat Park) o consumo foi menor e decrescente.


A partir desses estudos foi possível desenvolver a ideia de que o padrão de uso de uma substância por uma determinada pessoa está intimamente ligada ao seu contexto, tanto macrossocial (grau de disponibilidade, estatuto legal, imaginário social sobre a droga) quanto microssocial (local de uso, companhia, objetivo). Mais do que isso, que a experiência com a droga e seus possíveis efeitos de tolerância e abstinência não são suficientes para desenvolver um uso compulsivo em um indivíduo.


Nesse mesmo sentido parecem apontar os estudos epidemiológicos. No mais recente Levantamento Nacional Sobre O Uso De Drogas Pela População Brasileira – III LENAD (Bastos et al., 2017), observou-se que o consumo no ano anterior de álcool e de outras drogas é crescente de forma proporcional ao nível de escolaridade. Ou seja, quem tem maior grau de educação, que no Brasil é quase equivalente a maior nível socioeconômico, é quem relativamente mais consome substâncias. Porém, é o grupo que mais desenvolve problemas relacionados ao consumo é o de menor escolaridade. No caso do álcool, 38% da população sem instrução ou com fundamental incompleto relatou ter utilizado nos 12 meses anteriores, contra 59,6% daqueles com nível superior completo. Em contraste, neste primeiro grupo foram identificados 2,4% de pessoas dependentes de álcool, contra 0,7% daqueles que completaram uma graduação universitária. Se analisado dentro do universo de usuários, a proporção de pessoas que desenvolve problemas com o uso de álcool no menor nível de escolaridade é mais que 5 vezes maior que no grupo de maior escolaridade (6,3% x 1,2%)


Esses dados sugerem uma constatação que vai na contramão do senso comum: que a exposição a substância não tem relação estreita com o aparecimento de um transtorno relacionado ao uso de drogas. Se agregarmos as conclusões de todos esses estudos, é razoável dizer que o discurso proibicionista, que defende priorizar uma abordagem de restrição de oferta e demanda como política pública, faz uma inversão de causa e efeito. Ao invés de entender os fatores sociais e as vulnerabilidades como uma motivação de um uso descontrolado de substância, ele os coloca como consequência.


Dessa forma, questões políticas e sociais, como falta de acesso à saúde, à educação, ao transporte, ao lazer, à habitação digna são reduzidas a produtos do consumo de droga. E os investimentos públicos que deveriam mirar sanar estes problemas frutos do sistema econômico e de sua desigualdade, são direcionados a aparatos de segurança pública e instituições que se propõe a restringir o acesso a droga a partir da reclusão do indivíduo, como hospitais psiquiátricos e, no contexto atual ainda mais significativo e grave, comunidades terapêuticas.


Apesar de ser importante um olhar sobre o fenômeno do consumo de crack nas cenas de uso a céu aberto por pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social, certamente não é aumento do uso da droga que explica o salto do número de indivíduos em situação de rua em 25 % em um ano no Brasil, ou na cidade de São Paulo de 24 mil em 2019 para 90 mil em novembro de 2024 (Cruz, 2025).  A marginalização profunda dessa parcela da população não é uma questão originalmente de saúde mental, nem será resolvida com dispositivos de saúde, mas com mudanças mais estruturais nos sistemas econômicos e de produção que nos cercam.


Podemos assim dizer que os efeitos orgânicos da droga são secundários na psicopatologia dos transtornos por uso de substâncias. A princípio parece uma construção incongruente. Mas fica claro que o que chamamos de dependência química, na verdade é uma complexa manifestação multifatorial de questões psíquicas que incluem o comportamento de uso descontrolado de psicoativos. Muitas vezes o uso da substância é o que sustenta o funcionamento do sujeito, ou uma resposta para amenizar a angústia ou sofrimento. Como é comum dizermos, quando se tem problemas com drogas e se tiram as drogas, sobram os problemas. Isso dito, também vale ressaltar que mesmo secundários, esses efeitos não são desprezáveis.


Bom, se a intoxicação não é protagonista no desenvolvimento do quadro, mas uma resposta a algo que toca o sujeito, consequentemente a desintoxicação em regime hospitalar também não é a terapêutica que vai conduzir a abstinência, muito menos ao fim do sofrimento.


Apesar do bom programa que varia de 28 a 40 dias em média de internação, um dos estudos apontou que em 3 meses 78,5 % dos pacientes acompanhados tiveram episódio de uso (Lima et al., 2019), e enquanto outro encontrou uma taxa de recaída em 6 meses de 81,4% (Oliveira Jr et al., 2019).

Dois estudos realizados na enfermaria especializada para transtornos do impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, que é um serviço de referência no tratamento destes quadros, com boa estrutura física e de equipe multidisciplinar, apontaram altas taxas de recaídas após internação. Apesar do bom programa que varia de 28 a 40 dias em média de internação, um dos estudos apontou que em 3 meses 78,5 % dos pacientes acompanhados tiveram episódio de uso (Lima et al., 2019), e enquanto outro encontrou uma taxa de recaída em 6 meses de 81,4% (Oliveira Jr et al., 2019).


Dentro do que construímos até aqui, esses dados não são de se surpreender. O que surpreende é o fato de diante desse contexto algum profissional sugerir a reinternação sem qualquer plano de mudança de rota.


A redução de danos e a internação

Outra formulação comum no campo do cuidado aos usuários de drogas é que existem dois caminhos a seguir. O da abstinência total/internação ou o da redução de danos. Essa contraposição é equivocada, fruto de uma narrativa política que identifica uma prática como “conservadora / de direita” e a outra como “progressista / de esquerda”.


Essa identificação é justificável pelos agentes políticos que tomam posições dentro deste campo no Brasil. Tanto o caráter higienista e excludente de muitas ações voltadas a internações hospitalares e acolhimentos em comunidades terapêuticas as aproxima de políticos de direita, como muitos desse espectro são vinculados a instituições de caráter manicomial que lucram com o investimento estatal nessas condutas. Por outro lado, a defesa dos direitos humanos e dignidade das pessoas que usam drogas, os valores da redução de danos, assim como a luta antimanicomial e o antiproibicionismo, estão fortemente atrelados a figuras de esquerda.


Porém, clinicamente esse debate se mostra quase sem nexo. Em primeiro lugar porque no entendimento amplo do que é redução de danos, não há nenhum tratamento possível que não a leve em conta. Como vimos, qualquer tratamento que proponha apenas a abstinência exclui 80% das pessoas com problemas associados ao seu uso de drogas. Cobrar alguém, cuja dificuldade é exatamente controlar seu consumo, que pare antes de iniciar um tratamento beira o inexplicável. Se vamos então assumir que, mesmo naqueles que tem como objetivo suspender totalmente a utilização de psicoativos, irão acontecer lapsos, é imprescindível que se cuide destes episódios, que se minimize os riscos associados a eles e que se continue tratando essa pessoa.


É inconcebível uma relação de cuidado que paute medidas punitivistas, muito menos replique o discurso violento de que se a pessoa está usando drogas ela tem que sofrer. Lógica de quem quebra seringas e insumos que impedem transmissão de infecções, de quem não se importa com a pureza das substâncias que estão sendo ingeridas e muito menos em tentar garantir que nada de mais grave ocorra com quem está intoxicado. Qualquer serviço que expulse ou retire estratégias de tratamento de pacientes simplesmente pautado na questão da recaída, não é um serviço de cuidado.


Existe um percurso a ser percorrido para que a abstinência seja uma escolha possível. Ao longo desse percurso, a lógica da redução de danos é indispensável. Mas para além disso, a redução de danos propõe uma ética de cuidado, que inclui o respeito a pessoa que está recebendo este apoio, que dê voz a ela para se construir um tratamento em conjunto. Um tratamento em que caibam as singularidades de cada um e que tenha como direção a ampliação de repertório e de liberdade de ação.


Diante do que constatamos anteriormente, de que a internação não é um fim, o que a redução de danos propõe é exatamente a seguinte reflexão: se o objetivo não é garantir a abstinência prolongada, pois como vimos dentro dessa lógica o tratamento hospitalar é um fracasso, qual é a função da internação?

Apesar de não a mirar necessariamente, não há nada na redução de danos que seja contrário a abstinência. Nenhum profissional pautado nela irá insistir para que o usuário continue seu consumo. As estratégias se pautam em estimular o cuidado consigo mesmo, antes, durante e após o uso. Não existe caminho para abstinência que não se sirva disso.


Nessa mesma linha, não há oposição absoluta a internação como uma medida de cuidado. Diante do que constatamos anteriormente, de que a internação não é um fim, o que a redução de danos propõe é exatamente a seguinte reflexão: se o objetivo não é garantir a abstinência prolongada, pois como vimos dentro dessa lógica o tratamento hospitalar é um fracasso, qual é a função da internação?


A internação hospitalar e as drogas

A internação hospitalar no sistema de saúde público por questões relacionadas ao uso de drogas é recente. Até a constituição de 1988, os tratamentos hospitalares em saúde mental eram exclusivamente em leitos privados e em hospitais psiquiátricos.


Com o avanço da legislação da reforma psiquiátrica e da lei de drogas, foi instituída a Rede de Atenção Psicossocial e nela incluso o cuidado às pessoas com problemas relacionados ao uso de drogas. Essa mesma legislação também regulamenta as internações da seguinte forma:


§ 2º A internação de dependentes de drogas somente será realizada em unidades de saúde ou hospitais gerais, dotados de equipes multidisciplinares e deverá ser obrigatoriamente autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento no qual se dará a internação.

§ 3º São considerados 2 (dois) tipos de internação:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do dependente de drogas;

II - internação involuntária: aquela que se dá, sem o consentimento do dependente, a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sisnad, com exceção de servidores da área de segurança pública, que constate a existência de motivos que justifiquem a medida.

§ 4º A internação voluntária:

I - deverá ser precedida de declaração escrita da pessoa solicitante de que optou por este regime de tratamento;

II - seu término dar-se-á por determinação do médico responsável ou por solicitação escrita da pessoa que deseja interromper o tratamento.

§ 5º A internação involuntária:

I - deve ser realizada após a formalização da decisão por médico responsável;

II - será indicada depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde;

III - perdurará apenas pelo tempo necessário à desintoxicação, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, tendo seu término determinado pelo médico responsável; .

IV - a família ou o representante legal poderá, a qualquer tempo, requerer ao médico a interrupção do tratamento.

§ 6º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.(...)

§ 9º É vedada a realização de qualquer modalidade de internação nas comunidades terapêuticas acolhedoras.

(Brasil, 2006, grifo nosso)

Essa legislação se soma a anterior, da reforma antimanicomial:

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;

VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

                                                                                   (Brasil, 2001, grifo nosso)

 

Como podemos ver a legislação que regula as internações tem grande influência das ideias de reforma antimanicomial e de valores compartilhados com a ética de redução de danos.


Essa legislação também deixa clara a violação das leis que acontecem em diversas instituições, mas principalmente nas comunidades terapêuticas. Para início de conversa são proibidas internações de qualquer tipo nessas instituições. Oficialmente, o que ocorre nesses locais é um acolhimento social. Mas também o próprio Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) emitiu nota ano passado negando que esses serviços façam parte do Sistema Único de Assistência Social (SUAS):


Art. 4º As comunidades terapêuticas e/ou entidades de cuidado, prevenção, apoio, de mútua ajuda, atendimento psicossocial e ressocialização de dependentes do álcool e de outras drogas e seus familiares, por não atenderem ao disposto nos arts. 1º, 2º e 3º, não integram o SUAS e não devem ser inscritas nos conselhos de assistência social dos Municípios e Distrito Federal nem ter CNEAS. (Brasil, 2024)

                                                                                  

A essas legislações, soma-se o Relatório de Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas (Conselho Federal de Psicologia (CFP), 2017) que denuncia diversas ilegalidades nas práticas das comunidades terapêuticas. Dentre elas o caráter asilar dessas instituições caracterizado “a) a ausência de recursos para oferecer assistência integral, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros; e b) a não garantia dos direitos das pessoas com transtornos mentais” (CFP, 2017, pg 56); o isolamento e restrição do convívio social; incomunicabilidade e visitas restritas, abusos psicológicos e físicos; administração irregular de medicação; e intolerância religiosa.


Diante de tudo isso, fica claro que o modelo atual de Comunidade Terapêutica não só não está contemplado como uma forma de tratamento dentro da rede cuidado ao usuário de droga, como não pode de forma nenhuma ser compreendido como terapêutico. É inconcebível que exista qualquer tipo de financiamento público desses manicômios reformados, algo que só pode ser compreendido pelo conflito de interesses na medida que vários legisladores estão associados diretamente a eles, ou a entidades religiosas ligadas a essas organizações.


Quando falamos nesse texto das internações que podem ter um papel no projeto terapêutico singular de uma pessoa cuja relação com o uso de drogas é problemática, estamos excluindo esse tipo de organização. Mesmo com casos anedóticos de sucesso, não há justificativa para a continuidade desses locais de abuso e tortura.


Escutando os encaminhamentos para esses serviços, para reclusões de longa permanência, faz me lembrar outra pergunta fundamental para a prática do cuidado: “Para quem estamos tomando essa conduta?”


Existem indicações formais de internação em psiquiatria, que incluem os casos de transtorno por uso de substâncias. A primeira é  o risco de suicídio, de dano grave a saúde ou ao patrimônio do paciente. Também a iminência de agressão a terceiros motiva a internação. Tudo isso, claro, se avaliado que o paciente está sem crítica sobre suas atitudes ou com sintomas psicóticos significativos sem suporte adequado. Nesses casos, da mesma forma, pode-se pensar em uma internação se for considerado que o indivíduo não tem condições de aderir a algum cuidado. Todas essas indicações são elencadas diante da ideia de involuntariedade, com a perspectiva de que após algum tempo de tratamento hospitalar a pessoa recobre sua capacidade de tomar decisões e que esses riscos tenham se minimizado.


Existem alguns problemas ao transpor esses critérios para a questões relacionadas ao uso de drogas. A primeira é que a avaliação da crítica da pessoa sobre seu estado mórbido. Não só por se tratar de uma avaliação subjetiva, mas também por não haver um entendimento claro dentro desses transtornos do que seria a falta de crítica. Em pacientes psicóticos, por exemplo, a avaliação é basicamente tentar compreender se existe um entendimento daquele que sofre sobre a origem psíquica de seus sintomas e de que as alucinações e delírios que o invade são criações de sua mente.


A transposição para os transtornos do impulso, seria o entendimento de que aquele comportamento que ele repete é nocivo para usa saúde e saiu do seu controle. Mas não é a sabedoria que o uso de droga lhe faz mal que faz alguém que sofre com dependência química parar. E o critério utilizado por alguns profissionais é exatamente a capacidade de controle do paciente dos seus atos. Se o transtorno se caracteriza exatamente por essa falta de controle, acaba-se por deixar todos as pessoas com uso problemático de substâncias elegíveis para internação.


Porém, ainda há uma outra complicação. Como dissemos sobre os outros transtornos mentais, a internação faz sentido quando há o entendimento da mitigação dos sintomas após o tempo determinado de tratamento. Já vimos que no caso das adicções, isso não se sustenta. Aí está uma grande disputa com o senso comum, que invariavelmente, após as recaídas que acontecem frequentemente logo após a alta, insiste que a internação não fdurou  tempo suficiente, que se ficar mais e levar mais a sério o tratamento vai curar.


A verdade é que não existe nenhum indício de um período de tempo afastado do consumo de drogas que elimine a busca por ela, a fissura, o desejo.


Muitas vezes a decisão de um afastamento do paciente do meio em que vive é uma resposta a angústia de familiares de uma instituição ou do Estado, ou mesmo dos profissionais envolvido no caso. Também há casos da demanda desesperada da própria pessoa que está se tratando, e não vê outra perspectiva.


Não há resposta fácil para essas aflições. Em alguns momentos a equipe vai optar pela internação por motivos que não são a aposta no controle do consumo.


Existe internação na Redução de Danos?

Como já mencionamos, existe um mal-entendido, as vezes propagado por ignorância e as vezes intencionalmente, de que a Redução de Danos se contrapõe a internação. Isso tanto não se sustenta, que é possível elencar diversos motivos comuns que levam uma equipe construir uma internação com o usuário que só pode ser entendida por essa lógica.


Um exemplo clássico seria a internação de uma pessoa que por conta de seu uso de substâncias acabou entrando em conflito com outros consumidores de droga ou indivíduos ligados ao tráfico e está com sua integridade física em risco por ameaças de violência. Diante desse risco de vida iminente, mas não diretamente associado a um quadro psiquiátrico, ou seja, que não será respondido por medicações ou por psicoterapias, muitas vezes opta-se pelo afastamento do paciente do território.


Outro exemplo são internações de frequentadores de cenas de uso a céu aberto, em situação de extrema vulnerabilidade social. Ao chegar ao seu limite físico da vida na rua e do consumo de drogas, é natural que eles procurem um serviço de saúde pedindo o acolhimento hospitalar, como recurso conhecido e as vezes único com certa qualidade de higiene e proteção a que tem acesso. Sem uma proposta de reorganização dos laços sociais, de oferta de moradia e recursos de subsistência ou pelo menos algo concreto que transforme o contexto desse usuário, é bastante ingênuo acreditar que a internação terá algum impacto no padrão de vida e de consumo desse ser humano. Mas nem por isso deixa de ser legitima a indicação de um tempo para essa pessoa se recuperar, mesmo que para poder voltar a ter condições de usar a droga novamente.


Ambas as situações não partem a princípio da premissa da internação como cura nem da abstinência como meta. Mas sim, de um cuidado integral ao usuário e de algo construído a partir de uma demanda legítima dele: a de permanecer vivo.


Vale ressaltar que, assim como se alguém apenas entrega seringas, água, cachimbos e outros insumos a pessoas nas cenas de uso diversas, sem criar vínculo, conversar e se aproximar daqueles que procuram essa estratégia, essa pessoa está sendo uma distribuidora de insumos e não redutora de danos, a oferta automática de internação nesses casos sem uma construção no nível humano e do laço, não é redução de danos e nem mesmo um tratamento adequado.


Toda solicitação de internação vale ser abordada com questionamento, de entender o que se busca e qual a real demanda por trás (Carezzato e Carvalho, 2018). Uma primeira pergunta que sempre deve nos acompanhar diante de intervenção em saúde é: “para quem estamos fazendo isso?”. As vezes a procura vem de um desgaste da família, de uma angústia da própria equipe ou de uma política pública de interesses escusos. Mas ´comum também vir do próprio paciente. Desse pedido, aparece uma nova interrogação: por que não aceitar todos eles?


A justificativa para negar alguns, talvez a maioria, não é simples. Também inserido no discurso hegemônico proibicionista, a única solução (mágica) na qual muitos daqueles que nos procuram acredita é a internação. Trabalhar na desconstrução desse paradigma é uma tarefa importante tanto clínica como política no cuidado a esse grupo. Porque nossa ética insiste em desviar o olho da droga e de seu consumo para focar na pessoa e no sujeito. A insistência de que a questão está mais além dos efeitos da droga, aponta para uma direção de tratamento menos preocupada em extirpar o mais rápido possível esse uso, mas de atuar sobre as causas dele. Sejam elas alvo de políticas públicas, sejam de análise. 


Ao escutá-los, aparece frequentemente a fala de que a Redução de Danos não funciona para eles. Por trás disso há duas grandes verdades: de que aquela forma de consumir substâncias não é mais satisfatória, que não se dá mais conta daquele padrão de uso; e que a pessoa não tem mais controle sobre seu consumo, verdade que está estabelecida desde o instante em que se identifica um transtorno por uso de substâncias.


Poder evidenciar essa situação e esclarecer que a proposta de Redução de Danos não é sinônimo de manter o consumo, mas de não exigir a abstinência, de propor que há várias intervenções e cuidados possíveis de serem instituídos antes que se cesse o uso e que muitas vezes possibilita esse resultado.

Poder evidenciar essa situação e esclarecer que a proposta de Redução de Danos não é sinônimo de manter o consumo, mas de não exigir a abstinência, de propor que há várias intervenções e cuidados possíveis de serem instituídos antes que se cesse o uso e que muitas vezes possibilita esse resultado. É um contraponto de um discurso moral, e por vezes superegoico, de que o consumidor de drogas não merece nenhum cuidado, visto a escolha pelo que seria não saudável, pela morte.


Há também uma resistência pelo lado oposto. Diante do histórico manicomial das instituições psiquiátricas do Brasil, das práticas ainda reminiscentes de abuso moral e físico, de desrespeito aos direitos fundamentais do ser humano e atitudes de caráter punitivista, o campo progressista tem uma aversão a proposta de internação. Apesar de verdadeiro que muitas das indicações trafeguem pelo discurso higienista e proibicionista, é importante nessa clínica se permitir pensar a internação como uma das estratégias e de que forma ela pode ser utilizada dentro da ética que defendemos. Inclusive porque certos padrões de uso são um risco real para a vida ou mesmo impeditivos, não de cuidado, mas de tratamento.


Por uma proposta de internação antiproibicionista

Diante do que já foi exposto aqui, resta-nos pensar qual seria então a inserção da internação em um modelo de tratamento integral, quais vantagens podemos extrair dessa estratégia.


As mais obvias já elencamos: tratar emergências psiquiátricas como o alto risco de suicídio e surtos psicóticos mais significativos; e manter o paciente vivo em situações extremas, sejam elas clínicas ou contextuais. Importante lembrar que a morte dele encerra o tratamento, assim como em casos muito graves será importante tecer o acordo com o usuário e sua família de que não há saída terapêutica que exclua esse risco, apostando em aceitá-lo e manter o cuidado fora dos hospitais.


Além destas, é possível pensar a estadia na enfermaria como uma possibilidade de rever as estratégias e colocar em prática projetos construídos com o paciente. Alguns exemplos são a intensificação ou início de um processo de psicoterapia/análise, em um contexto em que há garantia de presença; uma organização de um espaço de moradia; ou uma reaproximação de vínculos familiares e sociais que façam sentido para o momento e para os envolvidos, criando caminhos praticáveis após a alta.


Também pode ser construído um processo também de psicoterapia dinâmica breve (PDB) para as semanas de internação. A PDB é uma modalidade que pré-determina um tempo de acompanhamento, em geral de poucos meses, com intuito de trabalhar alguma questão específica do paciente que se recorta nas primeiras entrevistas. Baseada no efeito que o anúncio do prazo para o fim do seguimento teve na análise do Homem do Lobos (Freud, 1914/1918), a proposta compreende que a curta duração acordada de antemão incita um trabalho analítico mais intenso durante este número de sessões. Isso auxilia na exploração de um tema específico, que se amplia, mas não é deixado de lado no processo, escolhido pela relevância atual na conjuntura do analisando e do tratamento.


A internação geralmente tem um impacto nas relações do processo de cuidado. Primeiro porque frequentemente ela ocorre em um momento de crise. Seja uma ocorrência de alto risco, seja a falência dos dispositivos que sustentavam. É um momento de emoções exaltadas, em que as comunicações devem ser feitas com zelo. Há um abalo na confiança do que estava sendo proposto e é necessário se a apontar para uma reconstrução, um novo pacto. Nesse sentido, qualquer planejamento deve também priorizar a aproximação e não o distanciamento entre as pessoas envolvidas. Este é um quesito que é bastante dificultado pelas instituições de características manicomiais, onde o interno tem difícil acesso tanto aos seus familiares quanto aos profissionais que lhe acompanhavam. Mesmo o contato entre as duas equipes muitas vezes sofre com diversas barreiras burocráticas e institucionais. Este afastamento pode aumentar a sensação de desamparo e trabalhar contra as propostas de cuidado estabelecidas.


Por outro lado, um alinhamento que permita a continuidade do tratamento ambulatoria[r3] l, em especial das psicoterapias, visitas ao estabelecimento e uma abordagem que leve em conta a singularidade do acolhido, pode fortalecer os vínculos e abrir espaço para o trabalho das transferências. Em muitos momentos é necessária a interrupção do ciclo de satisfação pela droga para dar espaço para que o sujeito encontre algo que possa competir com ela em algum grau.


Melman (1992) comentando sobre a necessidade de desintoxicação para a análise, é taxativo ao dizer que não se pode negar o pedido de alguém que que busca “uma análise para sair desta” respondendo “comece por sair desta e você vai fazer análise em seguida” (Melman, 1992, p 86). Ao mesmo tempo coloca a dificuldade da procura pela análise, ou por tratamento, daqueles que estão em uso descontrolado:


Creio que os toxicómanos não vêm ao psicanalista porque encontraram o remédio universal, a panacéia, e que então a questão para eles não é mais a de sua existência - que é a questão comum - mas simplesmente a de dispor deste remédio. Consideram que existe no jogo social um defeito e nisto eles têm toda razão. E é mesmo este defeito na organização social que eles denunciam como doença, bem mais do que sua própria toxicomania. Ao contrário, eles estimam ter encontrado um meio mais preciso, mais eficaz para... mas para o que exatamente? Que grande efeito podemos atribuir à droga? Seria tentado a dizer - se devêssemos supor aí um efeito geral - que é o efeito de aliviar a dor da existência. A droga é, sem dúvida, a melhor maneira de se desembaraçar, de apaziguar o que concerne à dor de existir. (Melman, 1992, p 83-4)

 

Trazendo essa reflexão para nossa discussão sobre internação, podemos pensar que ela, ao invés de apaziguar o sofrimento do sujeito, faz que ele entre em contato com essa dor.  É chave para que esse período fora de seu cotidiano tenha algum benefício duradoura que esse sofrimento seja abordado, de alguma forma que não seja apenas farmacológica, visto que o remédio de preferência do paciente já lhe é conhecido. Dificilmente nos casos graves que demandam o tratamento hospitalar alguma medicação alopática superará a droga em sua experiência. E se o fizer, há chance significativa de um uso semelhante abusivo.


Por outro lado, Melman (1992) aponta a característica ávida e intensa da transferência desses pacientes quando engajam em análise. De alguma forma, podemos pensar que a única forma que, nestes casos mais graves, o sujeito aceite dispensar mesmo que por alguns momentos a intoxicação seja diante de um investimento intenso com as figuras de tratamento. De alguma forma, o psicanalista francês ao mesmo tempo enxerga na intoxicação um impedimento a análise e na aposta na transferência a possibilidade de aumentar o controle sobre o uso:


A partir do momento em que o drogado, cada vez que está confrontado com tais momentos, se dispensa deles pelo uso da droga, não há mais cura possível... Mas isto acontece do mesmo modo com os pacientes que tomam neurolépticos (tranquilizantes). Para dizê-lo em termos lacanianos: cada vez que você reencontra o real, se absorver o produto que lhe permite dissolvê-lo, não pode mais aí haver alguma coisa que se sustente na elaboração do tratamento. Isto pode levar o analista a intervir de um modo imperativo. Uma vez que o tratamento começou e que a transferência está estabelecida, se é manifesto que o paciente chega em sessão ébrio ou drogado, é honesto remetê-lo ao fato de que não pode haver aí nem sessão e nem tratamento, que ele a torna impossível e que, assim, se quiser continuá-la é preciso parar.   (Melman, 1992, p 87)

 

Facilmente podemos enxergar que também é esse o método das instituições religiosas, que propõe a troca da droga pelo amor da comunidade e de Deus. Isso ocorre nas salas de AA/NA e das CTs atuais. O que diferencia então as direções de tratamento?


Nas comunidades terapêuticas atuais, existe há imposição de uma religião (majoritariamente evangélica pentecostal) e a proposta é rapidamente exposta como logro diante da violência impetrada, como já mencionamos. A lógica real é o convite para se submeter de forma servil para sobreviver ou ser aceito do lado que oprime.


No caso dos grupos de ajuda mútua a organização se dá pela identificação total e permanente com a figura de dependente químico, de ser portador de uma “doença progressiva, incurável e fatal”. O lapso é uma traição não vinda do inconsciente, mas a toda comunidade. É grave e punida com a perda da ficha e em muitas salas com o desprezo dos outros participantes, em especial se for recorrente.


Essa questão identitária aparece de forma totalmente diferente no pensamento de Olievenstein. O diretor de Marmottan entendia a instituição como aquilo que poderia se sustentar diante das demandas do paciente.


Entrar em Marmottan, portanto, é entrar num contacto de erotização com um terapeuta, até mesmo com a própria instituição. (...)

Temos que substituir naquele que se droga, sua dependência-toxicomana por uma “dependência-marmottana”. (Olievenstein, 1977, p 204)


E progride, esboçando a diferença de pensamento:


Qualquer que seja, porém, o caminho de cada um, a maneiro como se chega até nós e o tempo que leva para isso, nada é possível se, num determinado momento, não se estabelece uma relação de união entre o toxicômano e nós. Inversamente, para não se alienar completamente, é preciso que a “dependência-marmottana”, a que está preso, diminua pouco a pouco até desaparecer. Sei que em alguns casos o estágio de fusão é, em si mesmo, um progresso para além do qual não conseguimos ir. Mas, acho que cada vez mais não devemos nos contentar com o que, no fundo, não passa de uma bengala na caminhada para a cura e que, numa segunda fase, é preciso instalar a frustração no interior da dependência, quer dizer, operar o desmame da instituição, após o da droga. (...)

Convém, então, que o individuo comece uma psicanálise do tipo clássico e, sobretudo, que rejeite o hospital, isto é, que rompa com esse universo, que de uma maneira ou de outra representa a droga e a destruição.” (Olievenstein, 1977, p206, grifo nosso)


Nessa perspectiva, a internação pode funcionar como um suporte para que as condições transferenciais de tratamento se estabeleçam. Assim, se inauguraria o primeiro curso de tratamento. É importante salientar que Olievenstein era um defensor contumaz da voluntariedade do tratamento, o que faz sentido no raciocínio da disponibilidade daquele que está em uma relação difícil com seu consumo de drogas em topar outro investimento psíquico.


Esse primeiro curso teria dois movimentos: de substituir a droga na dinâmica psíquica e posteriormente de sair dessa posição. É interessante essa colocação de que depois pode-se iniciar uma psicanálise tradicional, o segundo curso.  Sem entrar nos méritos da técnica e da ortodoxia, como psiquiatra acompanhando casos graves de colegas psicanalistas, muitas vezes percebi esse movimento iniciado pelo próprio analisando. Após atravessarem a questão inicial, seja o descontrole com uso de droga, um evento traumático ou uma angústia de proporção insuportável, depois de elaborarem e construírem algo que os separasse disso (e muitas vezes com um trabalho de bastante qualidade do analista), escolhem continuar sua análise com um outro colega, sem que ocorresse uma falta ou desavença significativa com o primeiro. Remete-me a essa construção de Olievenstein, de que há algo transferencial com o que se necessita romper. E que a direção de cura que se contrapõe a dependência mira esse rompimento, não o eterno vínculo.

 

CONCLUSÃO

Diante do que foi exposto, é certo dizer que a internação não é de forma alguma imprescindível no seguimento de pessoas com problemas na sua relação com o consumo de drogas. Porém podemos também entender que não é preciso descartar essa medida e muitas vezes nem é possível o fazer.


A ideia do texto é propor potenciais usos do cuidado hospitalar alinhados com a ética da Redução de Danos e da psicanálise. Se a internação pode ser uma interdição em ato de um movimento do paciente, também pode ser a suspensão necessária para que se desenvolva condições, laços, interesses, transferências para que a escolha da diminuição do consumo, do contato com o sofrimento, seja possível.


Reitero, não é a internação necessária para esse processo. Mas é também uma pausa que pode permitir o encontro em algum outro lugar com um traço perdido, que em padrões de consumo mais graves fica bem dificultado. E a partir desse encontro é possível, remetendo ao aforismo de Lacan (1963, p197), que o amor permita ao gozo condescender ao desejo.

 
Referencias

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Fabio Carezzato é médico e psiquiatra pela USP, atual coordenador da ABRAMD Clínica São Paulo, parte do coletivo clínico Drogas: Clínica e Crítica.


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