Editorial Nº8
- Revista Quimera

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Atualizado: há 1 dia
Nesse ano, comemoramos 20 anos de ABRAMD. Nossa associação nasceu não só da vontade, mas da necessidade de nos posicionarmos no campo das drogas frente as investidas proibicionistas e manicomiais, que sempre tentam marginalizar e criminalizar tudo que está associado às substâncias psicoativas, principalmente as ilícitas.
Em cinco décadas de Guerra as Drogas, somos testemunhas do fracasso dessa política, que trouxe sofrimento e violência para usuários, familiares, policiais e para toda população marginalizada que identificada metonimicamente como transgressora, como traficante, perde seus direitos e tem qualquer agressão contra si justificada. A chacina ocorrida neste mês no Rio de Janeiro é a grande ilustração de que não há nem direito a prisão e defesa. As inúmeras crianças vítimas de balas perdidas, jovens assassinados por engano quando voltavam para casa do trabalho, do estudo ou da festa, casas invadidas sem suspeita ou ordem judicial. Tudo isso é fruto de uma política que não gerou melhores tratamentos, não gerou redução da disponibilidade nem do consumo de drogas, muito pelo contrário.
No campo da clínica, o resultado também não é positivo. As ideias de cuidado em alta exigência, hospitalares e em comunidades religiosas promovem a exclusão social sem alcançarem sucessos terapêuticos. Quase 80% das pessoas que saem de uma internação recai nos primeiros três meses, das comunidades terapêuticas nem temos dados pois se recusam a fazer coletas ou abrir suas portas a pesquisa. Sabe-se que a taxa de reinternação e de abandono de tratamento, porém, são altíssimas.
Nesse contexto, essa edição da Revista Quimera pretende apresentar e discutir modelos de tratamento alternativos ao discurso proibicionista, defendendo que há ferramentas clínicas que não bebem dessa fonte, que são eficazes e apresentam propostas muito mais alinhadas ao desenvolvimento humano.
No artigo Mulheres em grupo: um modelo de tratamento para a toxicomania, Lívia Maria Amaral Brito apresenta um dispositivo clínico profundamente afinado com essa perspectiva. O grupo de mulheres usuárias de drogas aparece como um espaço de elaboração e pertencimento, onde o vínculo e a palavra funcionam como ferramentas terapêuticas. Vemos uma proposta de atendimento de mulheres usuárias de drogas por meio de grupos de orientação psicanalítica — uma intervenção que vai ao encontro das redes, do acolhimento e da construção de vínculos, fazendo frente ao estigma e às trajetórias fragilizadas.
Em Flores, dores e cores – cenas de um acompanhamento terapêutico, Diego Deneno Perez e Philip Alexander Galvão McCormack nos conduzem pelas delicadas passagens do acompanhamento terapêutico, onde o cotidiano é o território do encontro e da criação. Entre gestos, cores e afetos, o texto nos faz o cuidado nos espaços informais, nas pequenas negociações da vida diária, onde a presença e a escuta sustentam o sujeito em sua travessia, em um belo relato da clínica ampliada.
O texto Internação e redução de danos traz à tona uma das tensões mais significativas da clínica contemporânea: existe lugar para a internação em uma clínica voltada para a ética da redução de danos? Fabio Carezzato debate os possíveis papeis da internação ao mesmo tempo que descontrói o discurso hegemônico sobre o protagonismo da internação no tratamento das toxicomanias.
Já em A ABRAMD Clínica SP e os grupos operativos, os coordenadores do nosso curso sobre grupos operativos resgatam a importância da dimensão grupal e institucional como ferramenta de transformação. Apresenta nossa formação no tema e a importância do dialogo da teoria com a prática na RAPS
Na série Drogas Be-a-Ba, fazemos uma abordagem informativa e crítica sobre a substância Cetamina, ampliando o debate sobre os usos terapêuticos e recreativos de psicotrópicos.
Por fim, a charge de Bira Dantas completa a crítica desse número sobre os aspectos manicomiais da política de drogas.
Boa leitura!







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